quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Pequenos contos - A escolha

Juntou os pedaços que ainda restavam. Era um antigo vaso chinês que sua mãe jurava ter sido comprado em uma das melhores casas de decoração, quando sua avó ainda viajava pelo mundo.
Agora somente cacos. Bem estilhaçados, espalhados pela sala. Em baixo da mesa, cobrindo o tapete e o sofá. Partiu-se em mil pedaços, assim como seu coração, que batia descompassado. Podia houvir ainda a última frase e a batida seca da porta: "Prá mim chega". Assim, simples, seco, cortante.
Atirar o vaso contra ele definitivamente não foi a melhor idéia, mas também não foi o motivo da partida.
Anos de desgaste, de brigas, de encontros e desencontros. Mais desencontros, é verdade. A cada discussão, o pedido de desculpas. O silêncio das palavras não ditas e aquela pontinha de esperança estúpida, a cegueira da rotina, a acomodação do "a gente supera".
A gota d'água veio de uma dessas bobagens que sozinhas, são exatamente isso: meras bobagens. Porém, quando carregadas com o peso de todo um cansaço e de um nó na garganta, tomam proporções capazes de finalmente colocar um ponto final em uma relação em que mais se perdia do que se ganhava.
O fato de não conseguirem decidir de forma pacífica um hotel para uma viagem de fim-de-semana iniciou toda a discussão, que após todo o discurso de acusações e ofensas, juntamente com uma restrospectiva de todos os erros cometidos no passado, teve um desfecho quase cômico, não fosse a vontade desesperada de chorar e sair na sacada pedindo prá ele voltar. Um vaso quebrado, o silêncio na sala e o estranho sentimento de alívio e saudade, porque afinal, a esperança estúpida já começava a dar sinais de sua presença.
Mas agora tinha a plena noção e certeza de que ele não voltaria. O vaso tinha sido demais. Era grande, pesado, não sabia como tinha conseguido levantá-lo e ainda arremessá-lo em sua direção. Sabia, porém, que havia chegado no seu limite e que isso significava não mais voltar atrás, não mais procurar motivos para tentar de novo.
Terminou de varrer e recolher os cacos azuis. Colocou-os em uma caixa e guardou no fundo do guarda-roupas. Não conseguiu jogar no lixo. Era como se estivesse jogando fotos ou cartões, desprezando uma vida toda de memórias.
Ligou para o hotel que havia escolhido. Foi sozinha, sem saber bem o porquê, mas com a sensação de que afinal, era a melhor escolha.

2 comentários:

Bípede Falante disse...

Claudinha, você é ótima contista!

Claudia Bertholdo disse...

Ai, agora fiquei até sem graça...obrigada cara bípede!

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