Sobre memórias

Lendo um livro do Marcelo Rubens Paiva (Ainda Estou Aqui) me deparei com um fato irremediável: algum dia, todos os dias, amanhã mesmo, iremos esquecer ou apagar uma memória. E isso irá acontecer sem que percebamos. Por mais que tentemos, é impossível guardar tudo o que vivemos de forma nítida e segura em nossa mente. A medida que envelhecemos, nossas memórias, sejam elas afetivas  ou não, em algum momento, seletivamente, boa parte delas, serão esquecidas ou guardadas em lugares cada vez mais distantes nesse nosso emaranhado cerebral. Tenho memórias que por vezes são acionadas por cheiros, sons, sabores. Outras, tento buscar de forma consciente, porém me escorrem entre conexões e sinapses falhas, entre incertezas de nomes, lugares, tempo e espaço. E quando estiver mais velha? Sinto medo desta pergunta nesse exato momento. Pela primeira vez sinto que tenho medo de envelhecer, porque isso me aproxima demais do esquecer. Esquecer o som das vozes dos que amo, do cheiro dos meus filhos quando bebês, da risada solta dos natais em família, do calor de um abraço apertado, de uma música que me lembra de alguém, de uma história contada e recontada, dos primeiros passos, das primeiras palavras, do primeiro beijo, do último encontro, do livro preferido, do lembrar-se sem esforço. E nesse exercício me dou conta de que tanta coisa já foi esquecida. Esquecer é uma dádiva e faz parte da vida, já li isso em algum lugar, não lembro onde, de que o esquecimento é o que nos mantém sãos. Talvez no futuro eu não lembre mais que um dia eu não quis esquecer nada.

Comentários

Marly disse…
Olá, Claudinha,

Belo texto! A gente nem precisa pensar muito para ver que as nossas memórias são nós mesmos, e essa deve ser a razão de temermos tanto perdê-las, né? rsrs. Mas o fato é que, como você diz, já perdemos muitas das nossas lembranças e de algumas só mantivemos fiapos, tênues fumacinhas daquilo que vivenciamos.

Beijoca e bom dia
Obrigada Marly! Seja bem vinda ao Sem Cerimônias!!
Eric Jhon disse…
Esquecer as vezes realmente pode ser muito assustador, mas como você bem frisou no final: "Talvez no futuro eu não lembre mais que um dia eu não quis esquecer nada.". Uma coisa eu tenho aprendido e é que devemos viver o agora sem nos preocuparmos com o porvir. O esquecido não tem medo de esquecer pois ele não sabe que esqueceu.

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