quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Pequenos Contos - A primeira vez depois de muitas


Provavelmente, a última vez em que havia estado naqueles corredores, fazia mais de 06 anos. Parecia pouco tempo, mas a lufada de ar carregada de saudade quando desceu do carro deixou transparecer o imenso hiato que a separava daquele lugar. Algumas mudanças, percebeu, ocorreram. Departamentos em locais diferentes, placas de sinalização novas e estilizadas. Bancos e alguns pontos de venda de lanches e bebidas desapareceram. A antiga cantina, de longe, parecia ter se transformado em uma biblioteca ou livraria, não tinha certeza, mas podia ver prateleiras com lombadas coloridas de livros. Não ousou chegar mais perto, não soube bem por que.
Mas a atmosfera era a mesma. O mesmo cheiro de café, livros e cigarros. O burburinho acompanhado de uma música ao longe, não conseguia identificar se de alguma caixa de som ambiente, um carro estacionado ou um fone de ouvido sendo compartilhado. Talvez a música nem estivesse tocando de fato, talvez estivesse retumbando apenas em sua memória que agora recebia um afago e ao mesmo tempo um desconsolo, por não fazer mais parte do cenário.
Caminhou a passos curtos, desprovida de seu antigo tênis, que agora inevitavelmente dava lugar a um salto alto. Observou que, em sua grande maioria, estavam todos de jeans, camiseta e tênis. Alguns com acessórios e cortes de cabelo que pareciam gritar “eu não sou apenas mais um nesta multidão”. Caminhavam apressados, carregando livros e mochilas, sorrisos e uma leveza de quem ainda nem começou o que pretende terminar para o resto de uma vida toda. Será que escolheram certo? Será que só irão descobrir isso depois? Recorda o quanto era confiante em suas escolhas e no quanto se questionou e permaneceu em dúvida durante muito tempo depois que saiu dali.
Procurava pelo departamento de Jornalismo. Precisou pedir informações a um garoto mirrado, com um piercing no nariz e uma fala mansa, de quem já está de saída, no final de um dia de trabalho cumprido. Ele apontou a salinha da última porta à esquerda. Não se lembrava de ter estado muitas vezes por ali, talvez na conclusão do curso, quando o prédio provavelmente era ocupado apenas pelo setor de pós- graduação ou algo do tipo. Ou sua memória já estava lhe pregando peças ou a aparência sempre igual dos prédios já a estava confundindo. Ou talvez o fato de não ter cursado jornalismo, e sim direito, explicasse a falta de localização. E talvez explique também as dúvidas que lhe assaltaram a mente e lhe tiraram o sono no final do curso e no decorrer das tentativas de trabalhar no mundo jurídico.
Entrou na salinha, recheada de painéis, cartazes, livros e três telas que chamaram sua atenção. Novos tempos, novas conectividades.  Ali estavam, as maçãzinhas piscando, instaladas e donas do lugar, e cada uma das garotas por detrás das telas estavam absortas de tal modo que sua presença quase não foi notada.
Solicitou o que havia ido buscar. Foi prontamente atendida e, enquanto faziam o pacote da encomenda, pode observar ideias pairando no ar, curiosidade e criatividade rondando em cada canto, uma música que tocava em um dos computadores, os tênis, as bolsas coloridas de pano, as xícaras de café, os ingressos para uma festa logo mais, o painel de frases soltas, divertidas, reflexivas e sem sentido em alguns momentos.
Lembrou-se da expectativa dos primeiros dias, das primeiras amizades, dos sonhos sendo construídos, das tardes entre livros, histórias e cafés. Em alguns momentos, em outros corredores, do som de violões, dos olhares de conquistas, das rodas de conversas, das risadas. Da certeza de que nada seria para sempre, mas ainda assim da plenitude em viver cada dia, cada momento, sem perceber que estavam findando a cada hora, a cada mês e ano que transcorriam de forma lenta no início e depois simplesmente correram ao final.
Foi despertada por um “está pronto!". Pegou o pacote, meio envergonhada, por parecer uma bisbilhoteira, olhando para cada canto, para cada papel, para cada detalhe daquela sala que pulsava e cheirava a um não sei que de “estamos no caminho, ainda não chegamos ao destino final, quem quiser que pegue o maravilhoso trem da universidade”. Sim, a universidade. Caminhou de volta para o carro com aquela sensação amarga e ao mesmo tempo doce da saudade, de quando se sente falta de quem  era em um determinado tempo, em uma determinada época.

Imaginou-se novamente naqueles corredores, cursando uma nova faculdade, estudando novas coisas, conhecendo novas pessoas. Até seria bom, pensou. Mas não era ingênua. Jamais seria como da primeira vez. A inocência, o desconhecido, estes não poderiam ser repetidos, revividos. Talvez fosse diferente, melhor, com mais maturidade. Aproveitaria mais, estudaria mais, sofreria menos. Ou não. Só tinha a certeza de que jamais seria igual. E era essa toda a graça da coisa, pensou afinal.

Um comentário:

Amanda disse...

Amei.. Parabéns Clau! bjs

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